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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O escafandro

Da forma como essas gotas de chuva escorrem pela minha janela
Do ar frio que congela sinapses
Queria ser lento e escorregadio como água que escorre pelo corpo
Criando detalhes disformes em uma mistura de reflexo e pele úmida
Aquela gota que serpenteia o braço e fica pendente como uma dúvida
Entre o gotejar e o estar

Se meu corpo, minha vontade e preocupação  não fossem por tantas vezes uma mordaça
Eu dou sussurros em megafones, em caixas de som amplificadas
Em vales e desfiladeiros onde minha voz é um eco
Se meu corpo, minha vontade e preocupação não fossem um oceano
Que ao mesmo tempo que é belo também pode sufocar
É imenso e sem campo de visão suficiente para abraçar completamente
É calmaria e também é tempestade
É a maior parte do mundo
E a mais difícil de ser cuidada

Quando choca-se com as pedras
Quando tomba navios
Quando engole pessoas
Quando amedronta
Quando vira cálice
Quando revolve os continentes
Quando devasta cidades
Quando lava a humanidade
Quando dá origem as mais estranhas criaturas

Sou
Somos oceano
Quando Byron em seus versos
Descrevia o oceano em sua maior riqueza e força de Titã
Não havia Colosso e nem Leviatã
Que não fosse coroado e temeroso de tua força

Oceano, és algo do que sou
Como sou também de ti gota agora em simulacro
Em carcaça bípede
Mas permita-me sempre
Assim que eu te olhar, ser agraciado
E sempre lembrar o que de ti trago
E como aquele senhor caminhante
Trôpego, que Malte descrevia
Em ti encontrarei fôlego e esforço
Para que assim eu te descreva
Em tua capacidade
E toda tua divindade

Texto das despedidas


Salve o fogo.
Acene Adeus ou "Aodiabo".
Pelo que eu já esperava.
Te entrego a bala.
Mas não salve também aquela chama, só vá por aquele vetor.
Sem júbilos, sem bajulações tenha teu encontro.
O gosto agridoce daqueles que se despedem.
Mas é a alegria da passagem, corrida, caminhada ou mármore por demais intenso.
E assim que eu olhar o céu ou respirar qualquer pó, sei que ali, de você haverá centelha...
E lembrarei para sempre do que me disse:
"Se eu pudesse te dar um conselho, as ultimas palavras antes do meu ultimo suspiro eu te diria..."

...

Aquelas palavras serão algo que só eu lembrarei e mais ninguém irá saber.

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O melhor, mais elaborado e o mais desdenhado personagem era o "Nada".
Que Camus tinha de temer?

Sobre mim, só resta dizer
Ladrões, profissionais e uivos noturnos
Só conheceram uma parcela do que sou
Nem só as minhas palavras são invólucros intransponíveis
Mas do livro que eu sou
Eu sou...
Páginas em branco
Páginas para serem escritas
Páginas que para muitos passam desconhecidas
Páginas que nem mesmo eu sei que existem
Páginas que ninguém ira conhecer
Páginas impossíveis de ler
Paginas que eu mesmo escrevo
Páginas que eu arranco
Páginas que eu deixo pela metade
Páginas que eu vejo e procuro esconder
Páginas e mais páginas
Páginas que me incomodam durante a manhã
Páginas que eu não queria escrever
Páginas que eu não queria ler
Páginas que eu vasculho
Páginas que desejo ler
Ilegíveis
Chaveadas
Belas
Austeras mas com alguns ornamentos
Intermináveis
Encontros
Obras de arte
Obras minhas
Obras de (d)Deus
Obras atrás de obras
Obras da natureza
Obras da noite
Obras do clichê
Obras suas
Obras minhas
Dobras


Mas basta ter a chave certa
Mas nunca terão a chave mestra
Essa eu perdi logo que nasci
A primavera vem nascendo
Chuvosa
Mas a chuva não assusta agora
Ela lava as lâminas, as faces, o solo
Alimenta a vida, tem coisas boas
Mas a chuva precisa cair
É posse doentia
É controle e medo de perder
Pois quando passar
Serei impulso e impulsionado
Propulsão como sempre acontece
A ira e a felicidade ladeiam
A tristeza e a impetuosidade são sítio
E saboreio tudo isso

Tudo que fiz e ainda faço foi para não cair na loucura
Você sempre me disse :
"Você não deve enlouquecer."
Mas a platéia espera sempre algo
Platéia com casa lotada
Platéia com um(a) único(a) espectador(a)
Não perder a admiração, jamais
O admirável é o que resta de mais admirável

Escritos matinais me incomodam...
Mas é preciso aprender a não temer a chuva
As tristezas nos rondam
São estados de sítio
Muitos encontros por mim já passaram
E com isso aprendi a dar adeus
Você, no teu mais intimido recanto
Sabe que com um pouco mais de esforço tudo isso vai passar
Como o vento passa
E passa
E ficarei contigo novamente sob a chuva
E colorido com as detalhes do muro
Mas saibam, vocês todos que sempre acompanham meu diário
Existe em mim uma serenidade que hoje me assusta
Até me incomoda
Pois se uma tempestade vier estarei sob ela ereto
Lavado com água ácida
Ensurdecido por trovões
Cego por tantas luzes dançando
Agarrando raios e os lançando de volta aos céus

Sou o que sou
Sou meu
O pouco que me devoram já é muito
Mas tenho uma vida a ser devorada
E vidas para devorar
O predador do mundo
A chama que anima o meu devir
E se minha casa pegar fogo, salvarei o fogo
Só existe Deus quando se doa
E nada mais me impediria de ver o céu
Seu movimento deslizante
E suas mudanças lentas
Que passam do dia para o anoitecer