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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Texto das ausências e das muitas horas

Aquele mesmo e, agora, também diferente deus, imbuído de ansiosa e aflitiva necessidade, que não percebe ou não tem impeto de perfurar a parede de sua cela para que o ar árido do deserto entre e, junto deste, grãos de areia que poderão cravejar sua pele e machucar seus olhos. Assim, no instante seguinte, quando tiver coragem para sair de seu cômodo incomodo e com os olhos semi cerrados por culpa da luz solar, uma culpa inocente dessa divindade irradiante, irá perceber que existe um céu claro e que possui uma cor índigo supostamente irreconhecível.
Mas, se for possível, nuvens cinzentas irão encobrir aquele céu até onde os olhos desse homem puderem enxergar. Com isso trovões, raios e pesadas gotas d' água cairão dos céus juntamente de novas necessidades e preocupações...

"Deuses imensuráveis, tementes da morte e de si próprios, como ousam esconder o azul dos céus e me dar em troca um dia que se faz noite e com isso torna a tudo cinza e envolto por uma mortalha? De onde pensam que retiro minhas forças senão é das minhas próprias tristezas, aflições, perturbações, problemas, desejos, expectativas, encontros, gargalhadas, cinismos, balbucios, sorrisos, toques, solidão, pensamentos, amor, paixões, conversas, cheiros, palavras e tudo mais que essa curta e unica vida pode me dar? Dessas tentativas de compreender, pensar e sentir a vida em toda sua maldita, ardilosa e deliciosa "totalidade" ausente de total?"

Não consigo delinear e muito menos entender o que outrem vislumbra em mim quando escuta a meus sibilos e também quando escuto a seus cismas. Acompanho que as dunas do deserto e as ruas da cidade onde eu já fui caminhar estão repletas de meus retalhos e rascunhos. Rasurei os recantos iluminados da noite e o frescor das sombras sob o Sol quase escaldante.

Olho para meu peito nu e para os peitos alheios e vejo corações amarrotados, expostos ao sereno e que deixam um traçado funesto, triste e vital de fluidos por entre becos, vielas e avenidas. Parcelas de minha alma são carregadas pelos ventos e pelo rastejar dos olhos mendicantes. Explica-me, pois, o motivo de doer tanto e ser ato tão opressor descarregar e abandonar no mundo os meus filhos, essas crias vis e também tão iluminadas?

Por ora, com quem eu falo agora? Tal como os budistas eu digo ave para tuas pupilas atentas e te salvo com as mãos unidas. É tão Deus quanto a mim e ao próprio/improprio Deus.

Se oficio nobre é sensibilizar os insensíveis, de que forma sensibilizar os já sensibilizados? Aqueles cujo o tecido atualmente só é carne e artérias? Com brutalidade e agressividade? Sim! Só dessa forma alguns extrapolam o tom idílico do externo de suas vidas e acabam por resistir a água salobra que bebem todos os dias.

Mas não fiquem desesperados, o som dos trovões despertava os instintos de sobrevivência e parcelas daquela vida, os raios iluminavam mais do que o dia e a chuva anunciava o fim da sede e alimentava certas regiões onde irão nascer plantas recheadas de vida. Aquele medo da chuva ia sendo desfeito e o ar ganhava um gosto úmido e refrescante. Eram estados e para onde ele descansasse os olhos haveria algo para ser buscado, extraído e recriado. Pegou o cálice em suas mãos e o encheu lentamente com a água da chuva, pensou que poderia guardar tudo aquilo dessa forma, porém, sua sede de momento era tanta que bebeu tudo em um gole só, como se ali houvessem as últimas gotas d' água do universo e ele fosse o tudo e o nada.

Por vezes encontro nas ruas e no meu quarto minhas criaturas, e na espécie de um Demiurgo só tento dar a elas e também para mim um bom sono. Categorias para um sono revigorante...

terça-feira, 26 de julho de 2011

Trechos de uma terça-feira

Qual o motivo para um Deus que em algum momento, por lapso, epifania, bel prazer, sem justificativa aparente ou por simples desejo cria todo um universo e assim (talvez) sujeita todos os seus seres e ao mesmo tempo necessitar da fé de cada um deles?
Ocidental demais e pouco digno de religiosidade esse Deus. Porém, quando se está agarrado a solidão e talvez o tédio seja o único companheiro (sic), a principal saída é criar um universo e se possível soprar vida para aqueles que irão dar sentido a sua própria existência. Genealogia da carência.
É a imagem e semelhança pois tanto quanto eu e você, d(D)eus também tem seus momentos de tédio, solidão e não sabe lidar com eles. Imagem e semelhança pois sempre é possível criar um universo, seja divagando antes do sono, ao tomar um cálice de vinho ou então ao escrever no inicio da noite de terça feira.
Prever o futuro não é uma dádiva, longe disso. A pior das maldições é não ter o sabor do imprevisto e estar ciente das aflições e tristezas futuras.
Prefiro lidar com meu presente e degustar lentamente as minhas felicidades e também as minhas tristezas.
Tolice é fugir de todos os sentimentos que a vida proporciona, já que mesmo encarcerado no Walden ainda não foi possível falar abertamente a máxima : "que ao morrer, descobrir que não havia vivido".
Aqueles personagens utópicos, revolucionários e com faces rotas acabaram por sentar no meio fio da História, sentaram na rabeira do tempo e ficaram de joelhos para o presente. Como fazer porvir aquilo que foi projetado no passado? Como fazer do que passou um imprevisto? Pegar o que não foi vivenciado, já é passado e tentar escrever na incerteza do futuro, esse algoz cujos atos são impossíveis de antecipar.

domingo, 24 de julho de 2011

Amante das imposições, notei que por enquanto sou somente apaixonado pela vida.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Tragicomédia

De todas as máscaras que temos
Se assim as reconhecemos
Quando colega, juiz, padre
Amante, parente ou amigo
Vem nelas tentar escarrar
É formidavelmente triste
E ardilosamente cruel
Saber qual delas a próxima usar

Assim não sucumbimos quando um outro
Vem a cada um de nós desmascarar
Se nossos personagens por tempos
Já vem aterrorizar
Narciso não jaz por ser belo
Mas por ter conhecido
Aquilo que nem sabia ter concebido

E pensar que o teatro grego acabou quando o último soldado persa naquela região marchou

domingo, 10 de julho de 2011

Poderei gritar em teus ouvidos, vociferar as mais lacerantes palavras e negar-te-ei pensamentos para te criar a paz.

Pois quero negar isso a minha pessoa também. Quero que vejam as vilosidades, o quão viscoso é esse real.
Dilacerem teus inimigos que lhe parecem tão amigos. Arrebente a cada um deles. Retalhe as representações.
Não enxerga as cores, não tateia superfícies, não sente de fato os amores, nunca se dá conta de quais paixões e vetores te atravessam.

Não irei ser um fantasma que assombra buscando deitar a cada um sob o dossel de uma serena claridade da noite.

Jamais.

Farei isso talvez por não conseguir realizar comigo. Não te farei de baluarte, pois se irá ser uma fortaleza para mim é por que eu sei onde estão as tuas fendas, tuas fossas abissais e que talvez eu conheça os abismos que estão dentro dessa edificação.

Como não refletir ou projetar? Todos os reflexos de nossa face são débeis diante das superfícies do mundo.
Eu sou o que eu nem mesmo sei que sou.
Cada um de vocês que crie o Lucas que lhe cabe. Que deixe a vocês felizes. Mas não esperem júbilos de companhia. Não sou santo, divindade ou robô.Só humano, demasiadamente humano.

Ver os teus abismos, suas alegrias, tuas aflições, teus sorrisos, suas lagrimas, tuas angustias, sua solidão, o prazer da tua companhia. Quero esse tua nervura do real. Saber que estamos sentido a vida em todas as suas possíveis intensidades. Sem medo (e inclusive sentir o medo) de vive-la. Pois essa vida é uma companheira tão veloz, inexperiente e serena. Que simplesmente passa, passa e passa. Mas que volta em pássaro, em vento, em ar, em vida, em oceanos, em sibilos asmáticos, em uma esmola, em um naco de pão, solidões, tristezas...

Talvez esse mundo seja grande demais para ser desperdiçado em um simples texto.
Quero sentir a tudo passar
Para sentir novamente
Retornar
E ter conhecido a tudo, até onde o meu tudo foi possível
Posso chamar a muitos de divindade, mas nunca irei chamar de Deus a somente um desses deuses.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Falando sobre amores

O animal é uma proximidade insuportável. Mas de que forma?
A(ni)m(al)or


Ele encara você de igual para igual. ele desvia o olhar, mas não por fraquejar diante das nossas pupilas, mas para ele não faz sentido encarar, é desnecessário, é uma pesada necessidade de querer provar algo para si. Uma vontade de catalisar as ansiedades, angustias, as ausências e aquilo que sentimos e não sabemos o motivo de sentir. E talvez por isso sejam coisas incomodas. O animal não é puro ou santo, longe disso. Ele tem parte de uma centelha do universo, tal como eu e você. Somos tão animais quanto os animais.


Ele é rebelde e por isso também insuportável. Aquele (mas qual?) animal, não tem a necessidade de ler um poema, graduar-se em uma universidade, amar ou sentir-se amado, publicar em um blog, ficar desesperado por um exame da faculdade ou estar aflito por se deparar com um problema e pensar que não existe solução. Ele não se precipita. Não procura abismos para dançar na beirada.


Ouvir os batimentos cardíacos de outro ser não humano é sempre imensurável. Tentem isso quando possível.  O cão, o gato, ou o pássaro tem um coração e ouvir ele pulsar e sentir-se naquele momento um animal ainda mais animal é uma sensação única. Nunca poderá ser repetida. Você acaba se tornando animal e o animal humano. Ali acaba ocorrendo vivacidade. Aquela chama supostamente débil da existência, que possui uma sombra vacilante cria um estopim e deflagra-se com um estrepito e tudo fica cheio de calor. Luzes e sombras misturam-se em uma pintura gratificante e exuberante. Ali houve amorosidade. Essa é uma liberdade de amar que faz parte daquilo que supostamente não é humano, nem poeta, músico ou filósofo. É uma qualidade incômoda.


Mas existem amores


Naquele momento houve tanto amor, como uma brisa fresca que entra em um quarto e faz dançar de forma graciosa aquelas belas cortinas brancas próximas a porta da varanda. É uma brisa que refresca os lábios, todos os tecidos, a carne, a alma, o espirito e o que mais for possível explicar. É passageiro mas deve ser sentido nas suas maiores formas. O duro é se dar conta que esse amor vai embora. Mas ele vai embora não carregado de tristezas ou que ele deixa um fardo de desespero ou de angustias quando se despede saindo pela mesma janela cortinada. É alegria da passagem e da mudança. As posição das cortinas e aqueles que estavam naquele quarto nunca mais serão os mesmos após aquele suspirar, aquele hálito tão gracioso que é um tão belo aspecto disso que chamamos de universo. É muito difícil viver dos momentos, encarar aqueles pedaços de eternidade sem desejar mais para depois. Cada momento deveria ser encarado como único, sem uma projeção do que irá acontecer depois. Mas ao mesmo tempo tentar pensar que outras intensidades tão maravilhosas como aquelas ainda poderão vir a ocorrer. Intensidade essas que podem ser de outras paragens, relvas, manhãs, pessoas, cidades, praças, moléculas, átomos, cores, sons, imagens, texturas...






Sinto minhas palavras cessarem...






Transfigurado deleito minhas paixões nesse texto e levo cada letra, cada caractere, cada estimulo virtual e elétrico ao olhos de quem é o leitor. Se foi possível sentir algo ao ler tudo aqui, há de ter algum sentido em extrapolar o pensar e ir para o sentir. Sinto em meu corpo e tento transferir. Todas as sensações que pairam ao redor do leitor aproximam-se e colam em sua atmosfera corporal ao ter contato com todas essas palavras...


Sinto agora todos os corações e também todas as suas pulsantes e latejantes liberdades...


Amando a todos os seres humanos, seres vegetais, seres animais, seres humanos-animais. Amando o universo...




Talvez sempre há uma (in)feliz necessidade de voltar e voltar para aquilo que supostamente da prazer, um eterno e lacerante retorno, aquele amor fisiológico, hormonal, biológico e tão superficial. E essa é também outra forma de amor.



É amor.



Porém, o que talvez acontece em minha pessoa talvez seja um amor como uma flor, frágil mas enraizada, que dança sob o Sol e se molha com a chuva, espalha perfumes e partículas ao vento. Nisso vem a noite e essa flor adormece, saboreia um sono calmo e também confuso e não posso fazer nada para impedir o seu descanso. Mas sempre vem o dia seguinte e tal flor, seja ela uma rosa, um lírio, crisântemo ou papoula e a sua vida recomeça. Esse amor fica ávido pelo Sol e caso tivesse olhos suas pálpebras estariam aquecidas ao mesmo tempo que a fina claridade iriar penetrar amealhante não buscando cegar.

Retirar da terra esse amor é separa-lo da sua fonte de vida.  Mas ao mesmo tempo ficar ali enraizado, suportando as intempéries do mundo, é tornar ele mais vigoroso e robusto. É uma flor no meio da relva que espera ser agraciada por olhos astutos e pelos narizes curiosos que estão em busca de trilhar um caminho e que, quando a encontram percebem que ali sempre passa vida. Ambos talvez saem engrandecidos. Seja por conhecer uma nova fragrância ou por conhecer um novo transeunte.

E tal como o vento passa
Passa uma vez
Passa outra

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Há textos, audições, gostos e intensidade que nos atravessam todos os dias e não nos damos conta delas até que por um lapso, uma epifania ou então o momento certo de ter um encontro nos sejam devidamente apresentadas.

Certas palavras libertam, certas conversas dão uma trilha de liberdade, certos textos são atemporais.
Não cabem em contexto algum.
Sendo assim, cito um trecho muito significativo de Nietzsche, não costumo fazer isso no meu blog, mas porque não ser um andarilho das próprias palavras, do próprio blog, das pessoas com quem ja convivemos ou até de si mesmo? A liberdade não deve, mas pode acabar sendo prisão, não permitam que isso aconteça...




Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não pode se sentir mais que um andarilho sobre a Terra e não um viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo de errante, que tenha alegria na mudança e na passagem.

Sem dúvida esse homem conhecerá noites ruins, em que estará cansado e encontrará fechado o portão da cidade que lhe deveria oferecer repouso; além disso, talvez o deserto, como no Oriente, chegue até o portão, animais de rapina uivem ao longe e também perto, um vento forte se levante, bandidos lhe roubem os animais de carga. Sentirá então cair a noite terrível, como um segundo deserto sobre o deserto, e o seu coração se cansará de andar.

Quando surgir então para ele o sol matinal, ardente como uma divindade da ira, quando para ele se abrir a cidade, verá talvez, nos rostos que nela vivem, ainda mais deserto, sujeira, ilusão, insegurança do que no outro lado do portão e o dia será quase pior do que a noite. Isso bem pode acontecer ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as venturosas manhãs de outras paragens e outros dias, quando já no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de musas passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no equilíbrio de sua alma matutina, em quieto passeio entre as árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente coisas boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em casa na montanha, na floresta, na solidão, e que, como ele, em sua maneira ora feliz ora meditativa, são andarilhos e filósofos. Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é possível que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do sino, tenha um semblante assim puro, assim tão luminoso, tão sereno-transfigurado: - eles buscam a filosofia da manhã.


638 - Humano Demasiado Humano