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domingo, 18 de setembro de 2011

Luzes da Ribalta

     Sinto-me faminto e devo dizer que também faminto por palavras. Nunca fui habituado a saciar meu corpo somente com alimento, mas meus ouvidos, minhas mãos, meu nariz, meu olhos e minha boca sempre pedem por mais. Sejam por toques inconcebíveis, sabores novos, sons antes inaudíveis, fragrâncias cujo um Grenouille não seria capaz de sentir e cores que eu nunca antes havia percebido. 


     No atual momento, eu só precisaria ouvir o toque dos sinos de uma garganta, como os sinos que anunciam as passagens do dia. Estou virado de costas para o público, estático sobre a ribalta e momentaneamente cego por um dos refletores que ilumina somente a mim. Uma luz alva que adormece cada pedaço meu, seja dentro ou fora do meu corpo. Fito sem cessar aquela grossa cortina de veludo um pouco rosada, esperando ansiosamente pelo próximo ato. Meu roteiro está pronto, minhas falas decididas, mas não ensaiadas.
     
     Como hoje me fora dito, se é criativo, jamais será teórico. Concordo e devo ainda dizer que, poetas são aqueles que não acreditam que fazem poesia, músicos não se empenham em simplesmente fazer música, cronistas não fazem simples crônicas, pintores não jogam simplesmente tintas na tela, desenhos não são feitos após longos treinos e um ator não simplesmente aprende a atuar. A arte, a criação, seja de qual forma você possa imaginar, NUNCA é ensinada, NUNCA é aprendida. A origem desse seio artístico, eu pouco me importo, pois estabelecer origens é simplesmente impossível quando as coisas acontecem no meio. Mas que seja, os seres criativos, de uma forma ou de outra não podem aprender a criar. Vamos dizer que o artista nasce sendo artista, Porém, talvez haja algum estimulo, alguém que lhe de um pequeno empurrão, mas isso só ocorre pois já havia predisposição daquele que foi empurrado. Engraçado que nunca houve quem me empurrasse, aprendi a caminhar de forma cambaleante, por vezes taciturno, mas também explodindo sobre o convés desse grande navio que é a minha vida e que navego incessantemente nos oceanos das muitas existências.

     Enquanto eu lia aquele livro, notei que as mãos estavam coradas com um pouco de sangue, cogitei brevemente ser o sangue de um certo personagem, mas os livros, as historias não se confundem tanto assim com a vida. De encontro ao espelho, retesei e vi um pequeno filete de sangue escorrer pelo lado esquerdo da minha face. Tentava conter, mas de nada adiantava. Olhou com cuidado o livro e percebeu que nada havia ficado manchado. Estancava aquele pequeno corte como se fosse possível sufoca-lo como uma boca que respira e que haveria de ser morta. Lavou o rosto e aquela água fria evaporava quase que instantaneamente de seu rosto e embaçava-lhe as lentes que a mais de anos o ajudam a enxergam melhor. Enxugou o lado direito do rosto e deixou o outro lado da face ainda úmido. Não queria sujar aquela toalha com uma ninharia sanguínea. Era como se ali houvesse duas faces, a da direita seca e quente, a da esquerda molhada e fria. A sensação era única e a vontade de descreve-la (como faço agora) maior ainda. 

     Nessa caminhada, esse sair caminhar que é a vida de cada ser vivo, cada criatura que habita esse planeta, eu desejo soprar um fio de esperança, alegria, amor, confiança, saudade e tudo mais que seja possível de ser pensado. Ou eu caminharei sempre junto, se assim tu decidir, e quando dou minha palavra eu sigo ela até o fim. Pois bem sabe que eu nunca procurei faltar com a minha lealdade e fidelidade. Ou deixo o palco, saio das luzes da ribalta de uma vez por todas e assim irei em busca de novos roteiros e encontros da minha existência. Pois conforme eu disse uma vez e volto a repetir, "sair sem dar meia volta, enquanto ainda existe do que sentir falta."